Por Henrique Britto, Redação Voxmais.com
Ter que ficar em casa e não se sentir só é, sem dúvidas, um grande desafio. A soma de rotinas que se repetem, relacionamentos instáveis, problemas no trabalho e problemas nos estudos são alguns dos motivos que nos levam à solidão.
Levantamento da plataforma de música Deezer com 11 mil pessoas em países como Estados Unidos, Brasil, França, Alemanha e Reino Unido, questionando sobre o comportamento delas durante o isolamento social, revelou que 30% ouve música para combater a solidão. Mas, afinal, é possível não se sentir só mesmo dentro de casa? O canal Voxmais.com conservou com o psicólogo Andrei Barbosa sobre o assunto.
Voxmais: Como a solidão pode afetar nossa saúde psicológica?
A solidão torna-se um fator de adoecimento psicológico, quando ela vem acompanhada de medo e abandono, porque a solidão em algum momento da vida, todo mundo vai sentir. Mas, quando ela é uma solidão exagerada, acompanhada de outros sentimentos como o abandono, o medo excessivo, a ansiedade, o nervosismo, acompanhada ainda de choros, aí, sim, ela é um fator a ser observado e que faz surgir a necessidade de procurar ajuda. Porém, é importante ressaltar que a solidão é uma questão decorrente muito antes da pandemia. Vivemos numa sociedade muito imediatista e de relações frágeis e o sóciologo Zygmunt Baumam, por exemplo, já falava sobre essas relações. A gente conhece alguém e em dado momento, por algum motivo ou situação, essa nova relação já se desfaz. Por conseguinte, isso acaba gerando o sentimento de solidão. O medo de estar sozinho na vida, o medo de não conseguir seus objetivos, de ter um suporte e o amparo de alguém quando necessita. A gente observa que as pessoas estão muito mais preocupadas com suas vidas, acabam esquecendo de viver uma relação com o outro e, esse outro, por sua vez, sofre.
Voxmais: É possível darmos fim à solidão ou é um sentimento que apenas pode ser controlado?
Não é possível porque a solidão é um sentimento natural. Em algum momento você vai querer estar só, em algum momento, você vai querer se isolar para fazer uma reflexão. E em algum momento você, de fato, vai se sentir sozinho, porque isso é totalmente natural. No entanto, é fundamental observar até que ponto esse sentimento é frequente na sua vida. Se for um sentimento que te faça passar a maior parte do tempo se sentindo melancólico, sozinho e com uma vontade extrema de se isolar, aí torna-se necessário que você procure ajuda com um profissional.
Voxmais: Para quem mora sozinho é ainda mais difícil. O que deve ser observado para que a solidão não evolua para a depressão, por exemplo?
De fato, para quem mora sozinho é muito mais difícil, sobretudo porque não existe uma segunda pessoa que vai observar o seu comportamento de solidão e, muitas vezes as pessoas são assintomáticas, ou seja, não conseguem perceber os seus sintomas. É necessário alguém para notar e mostrar para essa pessoa que ela está melancólica, que ela está se isolando, chorando constantemente. O importante aí é ter alguém de confiança, para falar desses sentimentos. Externalizar as coisas que magoam, que preocupam, que tem gerado medo, ansiedade. No contexto em que nós estamos, é importante termos contato com alguém, mesmo que seja virtual, o contato com os amigos. E isso não exige que você saia de casa, mas que tenha alguém que você possa compartilhar sobre a sua vida. Agora, para que a solidão não evolua para uma depressão, é importante ficar atento justamente quando perder o interesse em conversar com outras pessoas para fazer esse compartilhamento. Quando deseja ficar somente na cama, não querer iniciar a rotina daquele dia, não querer fazer as atividades domésticas, não querer sentir e fazer as coisas que você tanto gostava, mesmo estando em casa. Enfim, perceber o que mudou na sua vida, quando você estava em casa.
Voxmais: Como as tecnologias podem contribuir de maneira positiva e negativa para quem tem se sentido só?
Acredito que as tecnologias tiveram destaque muito importante nesse processo de pandemia. Tanto positivamente quanto negativamente, mas muito mais positivamente porque as pessoas, mesmo em isolamento social, têm a possibilidade de terem o contato com pessoas de outros estados, familiares de muito longe, de interação através de vídeo-chamadas e trocas de mensagens. Além disso, a tecnologia também possibilitou as terapias online, que têm ajudado aquelas pessoas que estão em processo de desenvolvimento da ansiedade, depressão, por exemplo. Por outro lado, é importante nos atentarmos para o fato de que as tecnologias também trouxeram algumas questões negativas, como é o caso das notícias falsas que amedrontam e geram ainda mais ansiedade. Por isso, é preciso ter inteligência emocional para que você possa ter o discernimento para selecionar o que de fato é proveitoso e positivo. No caso daquela pessoa que esteja atravessando essa pandemia sozinha, é fundamental manter o contato com as pessoas que ama, trocar mensagens. Estimular esse hábito do companheirismo e a sensação de uma conexão profunda com alguém, que ao término dessa pandemia você vai poder encontrar essas pessoas e dar um abraço muito mais caloroso e agradecido justamente pela companhia, exercida nesse processo de isolamento social.
Voxmais: Há casos de pessoas que moram com seus familiares na mesma casa, mas por conta da quarentena estão se sentindo sós. O que fazer nesses casos?
De fato, observa-se sim muitas situações de pessoas que dividem o mesmo espaço físico, dentro da casa, mas não têm interação entre eles, não têm compartilhamento de vida entre eles e, isso se observa muito antes da pandemia. Uma das atividades que liberam, por exemplo, a ocitocina e endorfina no corpo, os chamados hormônios da felicidade, são os abraços nas pessoas que você ama. Por isso, aproveitar esse momento de confinamento, para você se aproximar dessas pessoas que estão morando com você e trocar esses abraços, pode diminuir a frequência cardíaca em caso de ansiedade, por exemplo. Então, buscar compartilhar a vida e entender que se você está compartilhando o espaço físico você também pode compartilhar coisas, como os seus medos e entender ainda que você não está abandonado, só reforça essa relação afetiva.
Voxmais: E quais as recomendações para que se evite o sentimento de solidão? Estabelecer rotinas é uma delas?
Com certeza. Estabelecer rotina é uma estratégia muito importante pra se evitar o sentimento de solidão. Justamente porque você preenche esses espaços e não tem tempo pra você se sentir só. Por exemplo, ao acordar você procura fazer alguma atividade e aí depois você acaba e faz uma outra atividade, descansa, vê um filme, daí lê um livro, faz um exercício de alongamento. Com a pandemia, diferentes artistas ou especialistas têm feito lives nas redes sociais. Faça uma cronograma daquelas que você julgar mais interessantes para você assistir. A pandemia pode ser um momento de aprendizagem, mas também um momento de autoconhecimento. Preencher espaços do seu dia, com algo que seja positivo, é muito importante. Criar uma rotina agradável e que inclua coisas que você gosta de fazer, como ler, pintar, assistir séries, filmes, plantar, fazer atividades que de fato, lhe dão prazer. Outra coisa é estar conectado com seus familiares, com seus amigos, discutir um assunto que você acha legal. Além disso, entender o que você sente, observar suas emoções. Se elas lhe paralisam e não permitem que você faça as coisas que você faz naturalmente, aí sim você procura uma ajuda profissional de um psicólogo, um psiquiatra, um médico clínico geral. Ter alguém para conversar com alguém sobre esses sentimentos, sobre a sua situação emocional é o primeiro passo.***
Andrei Barbosa é psicólogo clínico CRP 10/05574 e pós-graduando em Psicologia da Educação e Neuropsicologia. Atuou na Secretaria Municipal de Educação no município de Terra Santa-PA e no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Atualmente, atua em clínicas particulares em Santarém-PA e é representante do Conselho Regional de Psicologia 10º Região (CRP 10), no Conselho Municipal de Saúde de Santarém.