O entendimento sobre como funciona nossa mente varia entre estudos e crenças, pois é por meio dela que aprendemos e descobrimos o mundo que nos cerca. Com o avanço das tecnologias aplicadas à saúde, muitas dúvidas, aos poucos, vão sendo sanadas e claro, novas descobertas têm nos permitido encontrar soluções para diferentes problemas que podem acometer nossa saúde psicológica.
É o caso do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 4% da população mundial tem (TDAH). No dia 13 de Junho, definido pela organização como dia de ampliar o acesso a informações sobre o transtorno, o canal Voxmais.com conversou com a neuropsicóloga Leonise Oliveira sobre o assunto.
Voxmais: O que é o Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH)?
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico e que ainda não tem um exame que o detecte precisamente. Ele é caracterizado primeiramente pela impulsividade, agitação motora, a desatenção, dentre outras características, que podem pontuar se de fato é TDAH, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Ele é predominantemente em crianças. Existe uma idade determinada pra começar a caracterizar de fato como diagnóstico, mas a partir dos cinco, seis anos, você já consegue observar alguns sinais que futuramente podem levar ao diagnóstico. Então, é necessário trabalhar com a prevenção. Com estímulo adequado, com bons ambientes estimulantes, regrado, para que essa criança possa já tentar automatizar e assim melhorar o seu resultado dentro das atividades do cotidiano.
Voxmais: Quais os sinais que uma criança pode ter (TDAH)?
Os sinais que a criança pode apresentar, são normais de todas as crianças, porém eles são potencializados. Insatisfação com tudo, agitação motora intensa, aquela criança que não para e que perpassa a fase adequada de cada comportamento. Por exemplo, desatenção, não conseguir finalizar as tarefas e não necessariamente só as tarefas escolares. As tarefas de casa também, quando se pede para juntar os brinquedos, e ela não consegue ou faz pela metade. Se você pedir para recordar o que ela fez ontem, tem que fazer um esforço cognitivo pra lembrar. Todos esses comportamentos, são presentes em qualquer fase da nossa vida, porém o que vai determinar ou caracterizar uma patologia, é justamente a intensidade, o grau e a frequência com o que isso acontece. Ou seja, uma leitura ambiental também é necessária justamente com as figuras parentais. Como que é esse ambiente? Como se dá e como é o conceito de educação para essa família? A questão das rotinas, da autonomia da criança em casa, como que isso é feito? Então, é necessário uma busca bem completa, holística da criança para que a gente possa chegar na hipótese do diagnóstico.
Voxmais: E como identificar isso em adultos?
Não difere o comportamento infantil do comportamento adulto do TDAH. O que na verdade difere é o contexto que eles serão aplicados e o prejuízo que isso vem acarretar. A desatenção, o esquecimento frequente, a instabilidade em empregos, em seguir normas, regras e condutas, instabilidade amorosa. Os relacionamentos são instáveis. Podem proporcionar essa instabilidade de estar sempre buscando algo, insatisfeitos e dificilmente demonstram um apego as coisas e as pessoas. Às vezes, eles podem até ter, mas isso é sub-relevante para eles. Apresentam dificuldade para cumprir agenda, cumprir rotinas, é sempre necessário que tenha alguém alí próximo. Muitos conseguem ter estratégias de aprendizagem para que tenha o sucesso pessoal e profissional. Mas, é necessário, muito esforço cognitivo. Estar em uma rede de assistência, que às vezes se constitui por pessoas mais próximas, que entendam ou aceitam que aquele é o modo de ser da pessoa e acabam cumprindo um papel na vida dela. De ajuda, de suporte, de apoio.
Voxmais: Como o tratamento é realizado?
O tratamento é clínico, o diagnóstico é clínico. Inicialmente, quando é criança, no caso, a escola sinaliza alguma coisa referente ao comportamento da criança, a dificuldade da aprendizagem, principalmente quando a época da alfabetização e ou encaminhado diretamente para o médico que pode ser o neuropediatra e, posteriormente o psiquiatra também, daí são necessário os exames para fomentar o diagnóstico. Aí que entra a avaliação neuropsicológica, e após essa leitura cognitiva da criança, se verifica, se for o caso, o uso de medicação também. Tudo é conversado a partir do contexto daquela criança, e que o médico pode identificar. Não é uma receita para todos, cada caso é um caso que fique bem claro. Auto-medicação, em hipótese alguma é recomendada independente da idade. O básico do tratamento, além do medicamento, são as terapias comportamentais, tanto da análise do comportamento, quanto da terapia cognitiva comportamental. Por quê? Porque essa criança precisa se automatizar, aprender limites e regras, normas. Obediência e respeito a figuras de autoridade. A questão pedagógica, em muitos casos, necessita também de ajuda, orientação, acompanhamento neuropsicopedagógico porque a criança dependendo da fase, ela pode apresentar problemas e dificuldade na aprendizagem, que é o que acarreta maior prejuízo nesse período. Com isso, ela começa também a ser estigmatizada na escola e começa e manifestar outros comportamentos internalizantes como a ansiedade, a baixa autoestima, insegurança emocional, fragilidade. Porque a partir do momento que o componente emocional se torna preponderante nesse sistema de tentar minimizar prejuízos, os problemas se tornam ainda mais difíceis. Por quê? Porque a gente vai lidar com uma criança, numa formação de uma criança, não de um ser. E ela ainda lhe precisa muito do olhar do outro pra ser constituída. E quando isso acontece na escola, a gente precisa trabalhar preventivamente. E é um conjunto. É necessário a participação da escola, dos pais, o apoio médico e imprescindível e as terapias. Um complementa o outro.
Voxmais: Para quem já faz tratamento, o período de isolamento social exige cuidados a mais?
Nesse período do isolamento, dos pacientes que eu já atendi, eu tive algumas devolutivas bem interessantes que se divergiram bastante. Uns se sentiram muito melhor em casa e conseguiram organizar uma rotina. Essas crianças se deram muito bem, sem a exigência e a cobrança escolar, enquanto que outros se desorganizaram totalmente. Ou seja, variou muito. Como é a primeira vez que nós estamos passando por isso, nós não temos precedentes para fazer comparativos. Então, a gente tá realmente aprendendo como essas crianças se comportam diante dessas situações. A gente tinha uma previsão de que seria difícil, que as crianças ficariam mais agitadas, que ficaria difícil dormir, que os pais ficariam muito mais exaustos. Mas, o que se tem observado, é que todas as crianças estão aprendendo com o conviver, com o dia a dia. Quem tem possibilidade de ainda continuar o atendimento, mesmo que seja orientação para os pais, é importante. Muitos terapeutas, psicoterapeutas estão fazendo orientação para os pais, mesmo que as crianças não estejam vindo à clínica, justamente para manter a rotina dessas crianças, para manter a psicoeducação, verificar que tá errando, o que pode ser ajustado, o que não pode, quais foram os comportamentos que apareceram, o que é novo no repertório comportamental e que precisa ser ajustado. Então, tudo isso nós terapeutas estamos fazendo, mesmo que remotamente.
Voxmais: A OMS definiu a data de hoje, como sendo o Dia Mundial do (TDAH). Por que discutir esse tipo de transtorno é tão importante?
Discutir esse essa data aqui é necessário. É uma questão de saúde pública porque os números são reais, eles existem e a nível mundial. Na Confederação Internacional de TDAH que ocorreu em 2019 no Canadá, os dados preocupantes apontam que é fundamental fazer que a informação chegue ao menos favorecidos. Por isso, foi lançado um livro justamente com uma linguagem bem acessível, para que pudesse chegar aos profissionais que estão na linha de frente e eles possam identificar os primeiros sinais e para que os próprios pais também possam identificar esses sinais em seus filhos. Ou seja, a primeira questão da importância é o acesso à informação. Precisamos buscar. E precisamos estar abertos para essa informação. Trazer essa discussão para nossa cidade, nossa região é significativo e pode melhorar a qualidade de vida de dezenas de famílias. Falo dezenas porque é um número que a gente tem hoje impreciso. Então a gente está buscando primeiro chegar aí um quantitativo e assim, começar a viabilizar ações voltada para isso. Um público invisível, mas que precisa ser notado, precisa de voz, precisa ser visto presente, ele é real e a gente não pode simplesmente fazer de conta que é normal, é natural e que ao medicar sua mente vai resolver tudo. Existem pessoas adoecidas, famílias adoecidas que não sabem o que fazer, porque acreditam que estão fazendo certo e que está tudo bem, porém que não tem orientação de um profissional. Porque para lidar com ali com as suas insatisfações relacionadas àquele contexto da educação dos seus filhos, a presença de um profissional é imprescindível. Não é necessário ter alguém da família para se unir a causa, muito pelo contrário, é necessário que você tenha empatia pra se unir a causa e saber que ela é real, que existe um transtorno presente e que muitas vezes até o seu amigo pode ter e você não sabe.
Voxmais: E quais os desafios que os profissionais da saúde mental ainda encontram em relação ao diagnóstico do TDAH?
Acredito que o maior desafio hoje é chegar a um diagnóstico mais preciso possível, através de profissionais qualificados para isso e que tenham um olhar bem amplo pra cada situação e que não se baseia apenas no comportamento atual da criança, mas no histórico dessa criança, no contexto, na configuração familiar dessa criança, o ambiente que é fator preponderante na questão do desenvolvimento do TDAH. Outro ponto fundamental, é o quantidade de pais limitados quanto ao diagnóstico. Por exemplo, a aceitação, fazer comparativo “fulano é assim, é normal, é birra, é preguiça, é falta de punições mais rígidas”, não é bem assim, cada caso é um caso. Por isso que eu também recomendo, fazer a busca, conhecer como é o desenvolvimento infantil, como cada fase se constitui. Porque você só vai conseguir identificar o que é anormal a partir do correto. Então fazer julgamentos do senso comum infelizmente só prejudica, principalmente a criança. E isso, ao longo da vida, pode trazer prejuízos imensuráveis. Existem as comorbidades do TDAH, que chegam apenas na adolescência e que podem se desenvolver para outros diagnósticos. Então, é necessário que tenha um olhar mais amplo pra isso, sensível. Empatia, buscar ajuda, no primeiro sinal. Se você desconfia de alguma coisa é importante e fazer o acompanhamento. A gente precisa aproveitar sempre a janela terapêutica. Porque quanto mais cedo possível, mais cedo você descobre e consegue perceber que há em algo diferente. Sempre é tempo de fazer alguma coisa. O importante é fazer.***
Leonise Oliveira é psicóloga especialista em Neuropsicologia. Há 4 anos tem atuado com avaliações neuropsicológicas de crianças TDAH em clínicas de Santarém-PA e frequentemente participa de ações sociais voltadas a saúde mental.